Zanine e Brasília
Zanine Caldas e Brasília possuem uma relação profunda. O legado do arquiteto na cidade encanta tanto aos que têm o prazer de conhecer as residências que ele projetou, quanto quem leva para casa os pequenos arranjos de flores secas vendidos aos pés da Catedral Metropolitana. Em abril, mês em que Brasília celebra 59 anos e Zanine completaria 100 anos de vida, o casapark conta mais um pedaço dessa história.
Foi um convite de Darcy Ribeiro que trouxe Zanine a Brasília. Em plena construção da Capital Federal, no final da década de 1950, Caldas assumiu o cargo de instrutor na oficina de manualidades da Universidade de Brasília (UnB). Na época, ele já era um reconhecido maquetista e passou a ensinar as técnicas para os alunos de arquitetura da recém-inaugurada universidade.
“Zanine sempre foi uma pessoa meio nômade e exploratória. Ele veio para Brasília continuar um trabalho acadêmico que já vinha exercendo na Universidade de São Paulo (USP). A relação dele com a cidade é muito interessante. Antes mesmo da estruturação do Plano Piloto, ele morou em uma chácara bem afastada, próximo a Santo Antônio do Descoberto (GO). Explorando o cerrado da região, viu muita beleza nas plantas e desenvolveu diversos arranjos que deram origem a esse artesanato tão conhecido da cidade”, conta a arquiteta Giselle Chaim, pesquisadora do trabalho de Zanine.
Giselle é autora de uma tese de mestrado que registra com bastante detalhe o período em que o profissional morou e atuou na Capital Federal. “A ideia de pesquisar o Zanine surgiu das minhas aulas na UnB. Principalmente, enquanto fui aluna do professor Ivan do Valle. Quis seguir o estudo para ajudar a construir a memória do arquiteto, principalmente sobre sua passagem por Brasília”, explica.
As flores e os arbustos do cerrado eram secos ao sol e tingidos com pigmentos bem coloridos. Os arranjos foram usados em recepções no Palácio do Itamaraty e eram vendidos em uma loja que o arquiteto possuía na W3 Sul. Após Zanine deixar a cidade, a produção foi mantida por seus ex-funcionários e as técnicas foram espalhadas pela cidade.
A primeira casa de Zanine em Brasília data de 1963. O arquiteto construiu uma residência para si no Setor de Mansões do Lago Norte, que alguns anos depois foi vendida para uma família que ainda mora no local. A casa é muito simples, lembra uma casa de fazenda e foi erguida com materiais de demolição trazidas de fazendas em São Paulo.
A temporada inicial em Brasília durou até 1964, quando seu cargo na universidade foi cassado pela ditadura militar. Mesmo não morando na cidade, Zanine continuou a trabalhar. Em mais ou menos três décadas, ele projetou e executou diversas casas na cidade. São cerca de 30 residências mapeadas pelo professor de arquitetura da UnB, Ivan do Valle que, além de ex-aluno de Zanine, possui um projeto de resgate das obras do arquiteto em Brasília. “O trabalho de Zanine em Brasília foi bastante significativo. Ele construiu muitas residências na cidade utilizando a madeira como estrutura principal. As casas estão localizadas no Lago Sul e Norte e no Setor de Mansões do Lago Norte”, explica Ivan.
Em 1985, após o fim do regime militar, retornou à capital, onde lecionou mais alguns anos na UnB até deixar a cidade em 1989. Mas a relação de Zanine com Brasília não se limitou apenas a vivência. Ele era um grande admirador da cidade e de seus criadores, especialmente de Lúcio Costa. A amizade e admiração mútua inclusive gerou uma declaração histórica. Zanine, que nunca cursou formalmente uma faculdade de arquitetura era frequentemente criticado por colegas. Em uma cerimônia pública, Lúcio Costa declarou que, se fosse necessário, emprestaria seu próprio registro profissional para assinar os projetos. Cessando assim, uma polêmica de anos.