Colecionar arte ou como transformar o olhar
Com um grupo formado por artistas, galeristas, pesquisadores, arquitetos e designers de interiores, no dia 25 de setembro, o casapark deu início à série de Talks com alguns dos mais importantes pensadores sobre temas como design, arquitetura, artes, moda, gastronomia, sustentabilidade e responsabilidade social. O Talk 1 – Colecionismo trouxe para o espaço casapark na CASACOR Brasília 2019 os colecionadores Fernando Bueno e Sérgio Carvalho e o pesquisador de arte contemporânea Nei Vargas para uma conversa mediada pelo curador e artista visual Carlos Silva. Na pauta, formação de coleção, o papel do colecionador na produção de arte contemporânea, a relação entre arte, arquitetura e design.
Abrindo a conversa, Carlos Silva lembrou que o papel do colecionador é fundamental para o fomento à produção artística. Nesse sentido, apresentou à plateia as iniciativas do casapark em criar em fevereiro deste ano a Galeria Casa, que recebe exposições de galerias e coletivos de artistas da cidade, o projeto de Residência Artística, que terá curadoria de Ralph Gehre, e o Curso de História da Arte, que começa em outubro. “São ações de incentivo à produção artística e à formação de público, de aproximação com pequenos e grandes colecionadores”, afirmou o curador. “A presença dos colecionadores é importante para catapultar a produção dos artistas, permitindo que eles possam continuar com suas pesquisas em linguagem”, ressaltou.
O pesquisador Nei Vargas, que desde 2016 pesquisa a formação de coleções privadas de arte contemporânea produzida a partir dos anos 1980, afirmou que entender como se coleciona é fundamental para entender a história da humanidade. As primeiras coleções de arte, disse, surgiram na Idade Média, inicialmente formadas por homens. No período do Renascimento, mulheres passaram a construir importantes coleções também. Hoje, estão presentes em importantes museus espalhados pelo mundo. “A figura do colecionador se tornou um ente social. Ele deixa de ser um acumulador de coisas, uma figura exótica, e passa a ser agente social que atua no meio da arte. Ele começa a interagir e a fazer parte do sistema, a fazer parte de conselhos diretivos de museus e de instituições, como a Fundação Bienal de São Paulo”.
Como parte de sua pesquisa sobre o modo como os colecionadores contemporâneos operam, pensam, se relacionam com as obras e os artistas, Nei entrevistou mais de 70 pessoas, donas de pequenas, médias e grandes coleções. “Conhecer essas coleções é olhar para a diversidade humana. É entender como as pessoas se relacionam com esses objetos, que são janelas para conhecer o mundo fora do mundo”, afirma. “Colecionadores colecionam, acima de tudo, afetos”. O pesquisador lembrou que o colecionador arruma a casa para receber as obras e não o contrário. “Arte não precisa combinar com a almofada do sofá”, provocou.
Fernando Bueno não se lembra de como começou a sua coleção. Lembra que sempre gostou de visitar galerias, exposições e museus. “Mas comecei a comprar obras de artistas que gostava. Passei a comprar em viagens, como forma de lembrar de um momento. Comecei a conhecer os artistas e a visitar seus ateliês e me encantar com eles”, diz. “Aprendi muito sobre arte conversando com galeristas e artistas e eu fui fazendo novas escolhas. Às vezes muito diferentes das que eu havia feito, porque a arte muda e a gente também muda”, reflete o colecionador. Com o aumento da coleção, mudou-se de um apartamento para uma casa, construída para receber a coleção. “Toda a casa gira em torno da coleção. Quando me mudei para lá, pude ampliar a coleção.”
A coleção em formação a pouco mais de duas décadas, tem obras de artistas que estão entrando no mercado e renomados. Mas Fernando ressalta que uma coleção não precisa começar com a obra de um artista já consagrado ou caro. “Invista no jovem artista. É um jeito de apoiar quem está começando e você pode comprar uma obra de qualidade”, reforça.
Com seis exposições realizadas com as obras de sua coleção, Sérgio Carvalho afirma que tem um acervo de afetos e amizades. Até o final dos anos 1990, sua atenção no mundo das artes se voltava para a música, a admiração pelos músicos. Em 1999, conheceu o artista visual Zivé Giudice, que o apresentou a outros artistas – Valéria Pena-Costa, José Rufino, Nazareno e Eduardo Frota – e que por sua vez o apresentaram a outros artistas. É um encantamento com o universo poético”, afirma. “Conhecer e conviver com os artistas é o grande barato. Você descobre que ele é um ser humano real, operário, só que ele é artista”.
A primeira exposição que realizou com sua coleção aconteceu no Passo das Artes, com curadoria de Denise Mattar, ex-curadora do MAM do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para Sérgio, existe uma responsabilidade social no que faz. “Dá um orgulho ver que as obras estão sendo vistas por mais pessoas, idosos, crianças, que isso não vai ficar trancado em casa”, explica. “Isso ajuda a formar público e fomentar o sistema da arte para quem é o artista, a parte principal disso tudo, pois sem ele nada disso existiria”, sentencia.
Tanto Fernando Bueno como Sérgio Carvalho querem continuar ampliando suas coleções. “Por uma questão de espaço, estou comprando mais vídeos. Recentemente, adquiri partituras de performances”, diz Sérgio. Ambos os colecionadores acreditam que mostrar os acervos ao público é parte importante de suas atribuições como colecionadores. “O trabalho de arte transforma o fruidor, o observador que descobre coisas nem sempre obvias e imediatas, mas sempre transformadoras para o sujeito”, conclui Carlos Silva.